Ingrid Guimarães e Marisa Orth: sem medo do ridículo nas sequências de ‘Sangue bom’
Insanidade, psicopatia, doença mental. Entre risos, são estas as primeiras expressões que vêm à cabeça de Ingrid Guimarães e Marisa Orth ao falarem sobre as semelhanças de suas personagens em “Sangue bom”. O comportamento de Tina e Damáris na trama das 19h, de fato, beira o nonsense diversas vezes. Enquanto uma se joga de cabeça numa vingança doida, a outra tem em sua lista de loucuras a fundação de uma religião. Mas por baixo de toda essa camada de desatino, dá até para se identificar com essas mulheres. Dá mesmo?
— Dá sim. É claro que elas são exageradas, mas têm uma coisa em comum, que é a carência. É por esse lado que eu tento ir porque acho que é o que agrupa, segura a personagem. É uma coisa meio patética. E toda pessoa passa por isso quando vivencia sua própria carência. Eu mesma acho que às vezes sou meio patética — opina Marisa.
E as desvairadas, quem diria, dão pano para manga até em conversa séria. Marisa acha que, talvez, as experiências de Tina e Damáris sejam uma espécie de recado dos autores Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari: as mulheres estão tão carentes que começaram a ficar loucas. Ingrid acha que faz sentido:
— Acho que o ser humano é carente, mas a mulher demonstra mais. Sai falando mesmo para a outra. Na primeira oportunidade, já começa a desabafar.
Marisa acredita que dá até para falar sobre o feminismo a partir das duas personagens, obcecadas por ter um marido a qualquer custo. E se as mulheres estão sempre à beira de um ataque de nervos, a atriz está convencida de que já aprenderam a lidar muito bem com isso.
— As mulheres passeiam pelas raias da loucura e voltam para a normalidade. Porque não nos é dado o direito de surtar, meu bem. Você surta e lembra: “Tenho que pegar o filho na escola”. Pode surtar com hora marcada, das 14h às 14h45m. Homem quando fica louco, fica. Então é bom que não fique muito porque, se for, não volta — acredita Marisa.
Mas ainda que despertem a atenção para assuntos sérios, a especialidade de Tina e Damáris é mesmo fazer o espectador rir. E embora sejam nomes conhecidíssimos quando se fala em humor na TV, essa é apenas a terceira vez que Ingrid e Marisa se encontram em cena. As outras aconteceram na série “Macho man”, de Fernanda Young e Alexandre Machado, e nos quatro episódios inéditos do “Sai de baixo” gravados este ano para o canal Viva, em que Ingrid fez uma participação especial. O segredo para fazer graça em cena, por mais paradoxal que pareça, é levar tudo a sério, elas dizem. E não ter medo do ridículo.
— Quando faço personagem engraçado, não penso em fazer graça. É preciso ter coerência, construir a cena como se fosse normal. Os bons palhaços são assim. Acha que Chaplin pensava em fazer piada? Que a Salomé e o Painho de Chico Anysio não eram reais? A gente tem que ter uma linha de verdade, como se fosse normal — defende Marisa.
E isso vale até para a comédia física mais absurda possível. Ingrid lembra de uma cena que foi ao ar recentemente, em que Tina descarrega uma espécie de extintor de incêndio cheio de espuma em cima de Damáris e Vitinho (Rodrigo Lopez). A sequência envolveu até um treinador de luta e foi gravada pelo trio de primeira. Sem medo de “descer a ribanceira”, como elas dizem.
— A gente não tem timidez para fazer essas coisas, e isso é importante para quem faz comédia. Mas confesso que às vezes fico apreensiva. Pergunto: “Marisa, a gente não foi meio demais? Não está muito ‘Os Trapalhões?’”. E ela sempre me dá uma bronca. Vem e fala umas três frases de efeito, aquela coisa de psicóloga (Marisa é formada em Psicologia), e logo me convence de qualquer coisa — diz Ingrid, rindo.
Outra dica para fazer boa comédia, elas compartilham, é aprender a rir de si mesmo. Ingrid defende uma certa perda de ingenuidade, além de um olhar mais sarcástico sobre a vida.
— Prefiro detonar a mim do que aos outros. Fazer humor em cima das minhas fraquezas — observa a atriz.
Marisa ainda vai um pouco além:
— Quando a gente trabalha bem com humor, não acredita muito na raça humana. Isso não dá bons comediantes. Quer dizer, eu levo a vida numa boa todo dia, claro. Mas acho que uma mocinha de novela tem muito mais fé na humanidade do que eu — diz a atriz, meio a sério, meio de brincadeira.
Ingrid e Marisa só começaram a contracenar em “Sangue bom” há pouco tempo. Mas antes do início da novela, elas achavam que nem se encontrariam em cena.
— Quando fiquei sabendo, mandei mensagem, toda animada, para a Marisa: “Olha, vamos fazer a mesma novela! Será que vamos ser amigas?”. E morri de rir quando ela me respondeu, séria: “Não. Eles costumam, em novela, salpicar as palhaças pelos núcleos. Não deixam juntas, não” — lembra Ingrid, às gargalhadas.
Felizmente, a regra foi quebrada, porque o encontro em cena rendeu. Fanática por Twitter e afins, Ingrid conta que acompanha a loucura dos fãs quando as duas aparecem juntas em cena:
— Outro dia, um fã chegou a fazer uma análise dos meus encontros com a Marisa e chegou à conclusão de que eu sempre roubo os homens dela.
Marisa rebate, surpresa:
— Jura? Em outros trabalhos?
Ingrid explica:
— Pois é. Em “Macho man”, peguei o Zuzu (Jorge Fernando). No “Sai de baixo”, o Caco (Miguel Falabella) trai você comigo. E, em “Sangue bom”, estou namorando o Lucindo (Joaquim Lopes).
Marisa fica intrigada, e pergunta mais a Ingrid sobre o sucesso da dupla nas redes. Mas diz que ela mesma não tem muita paciência para a internet.
— Fico em pânico no Twitter. Gosto de ler. Mas aí se eu entro e falo “oi”, começa uma enxurrada de “oi”, “oi”, “oi”, “oi”, “tudo bem”, “tudo bem”, “tudo bem”. Ah! Fico nervosa e desligo. Aquilo dá um medo! — brinca, para depois explicar melhor sua “twitterfobia”: — Adoro fã, mas eles são mais ágeis do que eu, e ali você não tem muito controle. Gosto de falar com liberdade, não quero ficar escolhendo as palavras. Além disso, já estou numa rede social de muito sucesso chamada TV Globo. Todos os meus amigos de infância já me encontraram, todo mundo que eu não queria ver já me achou.
Esse fervor do público tem a ver com o fato de as duas estarem não apenas no horário das 19h — que costuma atrair os jovens conectados, observa Ingrid — mas numa novela, gênero em que ambas pouco atuaram na TV. Mais acostumadas às séries e aos humorísticos, elas notam logo a diferença na rua.
— Fazer novela de vez em quando é essencial, especialmente no país que a gente vive. A exposição é muito maior, mesmo se comparada a uma série de sucesso. Na época do"Sai de baixo”, eu não podia sair na rua segunda-feira. Mas na sexta já estava tranquilo. Aqui é todo dia. É uma coisa matemática mesmo o número de olhos e de cérebros que te viram — afirma Marisa.
Ingrid ressalta que a escolha de fazer poucas novelas nem sempre é delas:
— Acho que tanto eu quanto a Marisa recebemos mais convites para fazer programas.
E a frase de duplo sentido logo dá margem a mais piadas:
— Olha o que você está falando, que a gente é requisitada para programa... Isso vai pegar mal — corta Marisa. — Quero dizer que nunca fui requisitada para programa. Nunca fui chamada para teste do sofá e nem teste do banquinho!
O assunto, digamos, mais sexual, acaba inspirando Ingrid a falar sobre a sensualidade das personagens que ela e Marisa costumam interpretar na TV. Ela, inclusive, batiza as duas de “as palhaças gostosas”:
— Isso é uma coisa moderna, de certa maneira. Eu comecei minha carreira no programa do Chico Anysio e, naquela época, ou você era a Zezé Macedo ou a Monique Evans. Ou era engraçada ou gostosa — diz, séria, para logo depois provocar a amiga: — A Marisa abriu o caminho para isso no “Sai de baixo”, com aquela saia, o coxão de fora. A primeira comediante a posar para a “Playboy”... A gente tem que dar o crédito.
As risadas das duas são fáceis, mas tem uma coisa que tira comediante do sério, elas dizem: a obrigação de ser engraçado. Marisa conta que chegou a ouvir de uma mulher no avião: “Ai, terminei meu noivado. Senta aqui do meu lado que eu quero rir?”.
— Isso me dá um ódio... Eu ralo para caramba, viajo com peça, escrevo, produzo, faço novela, sou mãe de uma menina de 4 anos... Chega uma hora que não estou afim de ser engraçada com ninguém, estou afim de ficar quieta. Mas nem os amigos entendem isso — reclama Ingrid.